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Gostaria de Sugerir uma otima pagina que a cada dia revela novas mentes brilhantes e contos maravilhosos.

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Uma Obra Criada por: José Lito - Um Amigo que espero levar comigo para a vida toda, me permito dizer que fiquei emocionada com seu conto e olha que não me deixo abalar tão facil. Terei sempre o prazer de postar suas obras aqui no blog.

SOB A SOMBRA DO AMOR - ( José Lito )

- Você não gostaria de ver essa revista. – disse Ali ao notar sua filha Mariana pousando os olhos no semanário que ele examinava. – há coisas horríveis nela.
A menina herdara do pai o gosto pela leitura, mas ele a achava muito nova ainda para deparar-se com as pungentes cenas que aquela publicação estampava. Na capa, uma mãe chorosa acarinhava o rosto da pequena filha, morta por terroristas que a encurralaram junto com outras crianças em uma escola primária em Beslan, cidadezinha no sul da Rússia.
Mariana, deitada no leito de uma clínica particular por conta de uma doença degenerativa que logo a mataria, e que já tinha lido tudo o que havia passado ao alcance de suas mãozinhas, retrucou com voz melosa:
- Por que comprou a revista se eu não posso ler?
O pai, sentado numa cadeira ao lado da cama, descansou a revista no colo, deu um longo suspiro, e então respondeu cauteloso:
- Precisava. Eu necessito conhecer o horror, até para protegê-la. – ele fez uma pequena pausa, examinou a publicação por um breve momento. – Eu não ia comprar, pois a foto da capa me deixou chocado, mas um jornalista me convenceu do contrário.
- O jornalista estava na banca de jornal quando você comprou a revista?
O pai balançou a cabeça negativamente, ele tinha olhos frios.
- Não, - disse ele. – eu li a opinião dele num jornal que eu havia comprado momentos antes, e ele dizia das informações que nos chegam diariamente através da mídia sobre tanta miséria, maldade e desamor entre os homens. Bem, ele escreveu que há pessoas no mundo que não devem cerrar os olhos, tapar os ouvidos ou fechar a boca
diante desses fatos. Entenda, querida, você ainda não está incluída entre essas pessoas, você é o meu anjo e só tem nove anos.
Mariana torceu a boca em desaprovação, fez uma pausa para respirar, e declarou:
- E você está entre as pessoas que... Podem ler de tudo.
O pai franziu a testa e balançando suavemente a cabeça respondeu:
- Eu estou entre as pessoas que não podem e não devem se poupar.
A menina deu uma olhada indiferente para o recipiente do soro, um velho companheiro, então perguntou com voz apenas audível:
- Por quê?
Ali hesitou e olhou em redor, como a procurar as palavras certas, a morte insistia em fazer uma sombra em sua mente; por isso, com voz trêmula de emoção, falou refletindo:
- Preciso que saiba uma coisa: todos nós temos um propósito na vida, e esse propósito é ser feliz. Mas para sermos felizes precisamos abrir mão de muitas coisas, e, principalmente: conhecer a oposição. Não há vida sem oposição, a luz necessita das trevas assim como o forte não pode prescindir do fraco, a noite do dia, o grande do pequeno. Às vezes, é preciso que haja um recomeço, e pra isso é imprescindível que venha o fim.
- E agora que você leu a revista, papai, e viu as coisas ruins que ela tem, o que pretende fazer?
- Agora mais do que nunca eu sei o quanto é importante a missão que tenho de tornar esse mundo melhor para crianças como você, pois eu vi a dor nos olhos daqueles pais que perderam seus filhos e, amando você como eu amo, dá pra imaginar o quanto eles sofreram. E eu não quero que sofra, nem mesmo vendo... As imagens fortes que tem nessa revista. Desculpe-me por não ter comprado um livrinho pra você.
Mariana, notando a feição do pai debilitada por uma expressão cansada, inquiriu:
- Papai, por que seus olhos estão tristes?
Os olhos de Ali reagiram de maneira estranha, como se uma represa de intolerância
impedisse que lágrimas descessem deles. Ele não queria falar de despedida, essa, a sua tortura pessoal; nem queria criar qualquer expectativa de cura. Mas precisava compartilhar emoções positivas. Tendo isso presente, disse com um esboço de sorriso:
- Uma vez eu li que devemos amar para sermos felizes. E amar é compartilhar o que temos de mais precioso, que é a nossa vida. Se pareço triste é porque talvez não possa te dar tudo o que precisa.
Mariana sentou-se debilmente na cama e falou com delicadeza:
- Paizinho, não fique triste. Eu não quero tudo, só o que preciso é que as dores passem. E também quero que você penteie meu cabelo.
O rosto do pai era de granito, mas a sombra de um sorriso desfigurou-lhe o semblante. Ele colocou-se atrás da filha e, delicada e pacientemente, pôs-se a escovar-lhe o cabelo. Logo, porém, a sombra de sorriso desvaneceu, ele sentiu então os olhos turvarem-se e finalmente lágrimas silenciosas correram-lhe pelo rosto. Ele sabia que seria a última vez que pentearia o cabelo de seu anjo. O que lhe consolava era saber que não haveria mais pranto, mais dor, e mais importante: seria rápido e indolor, ao menos era o que os especialistas lhe haviam assegurado.
A menina dormiu com um fio de sorriso inocente estampado no rosto. Seu pai a acomodou com cuidado na cama, de lado, e tapou-lhe a orelha como ela gostava. Repousou um beijo suave em seu rostinho, e então notou que havia um pedaço de papel dobrado com esmero em cima do criado mudo. Era um bilhete onde ele leu “papai...
Ele precisava ir, tinha uma missão a cumprir.
Trinta minutos se passaram. Houve uma forte explosão. A banca de jornal localizada na estação do metrô foi para os ares no momento em que o trem passava. Vinte e cinco
mortos e mais uns tantos feridos. Num pedaço de papel chamuscado encontrado no que seria o corpo do homem-bomba, o policial leu: “papai, não vá embora.”